Todo corpo em deslocamento tem trajetória
13º Diário Contemporâneo de Fotografia
Casa das onze janelas, Belém, 2024
Curadoria de Mariano Klautau Filho e Livia Aquino
Todo corpo em deslocamento tem trajetória
13º Diário Contemporâneo de Fotografia
Casa das onze janelas, Belém, 2024
Curated by Mariano Klautau Filho e Livia Aquino

Antonia Nayane, Breno de Sant’ana, Cyro Almeida e Mestre Júlio Santos, Francisco de Souza, Gabz 404, Ian Nogueira. s/n°w (snow), Masina Pinheiro e Gal Cipreste, Nazas, Matheusa e Sabine Passareli, Laura Andreato, Paloma Durante, May Agontinme, Maré de Matos, Mônica Ventura, Val de Souza, Manoela Cezar, Simone Barreto, Raquel Stolf, Fabiana Faleiros, Gê Viana, Marise Maués, Allyster Fagundes,  Regina José Galindo, Sumé Yina, Tadáskia, Aline Motta, Alexandre Sequeira, Mari Queiroz, Walda Marques, Maurício Pokemon, Coletivo Coletores.
Todo corpo em deslocamento tem trajetória é uma frase escrita pela artista Matheusa Passareli (1997-2018) em 2018. À época aluna do curso de Artes na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Matheusa relata em “trabalho de vida” seu deslocamento pela cidade como “corpo estranho”, pessoa negra, não binária, para poder cursar uma universidade pública em uma região central distante de onde cresceu. Muitos deslocamentos, muitas trajetórias.

A pesquisa apresentada nos dois espaços que comportam essa exposição, Casa das Onze Janelas e Galeria Fidanza, gira em torno do corpo como um território pessoal, de experiências íntimas e únicas, ao mesmo tempo combinado, por estar alinhado ou confrontado, com a experiência social e política. Um sopro no tempo, quiçá uma atualização para a proposição de Carol Hanisch a nos dizer que o pessoal segue sendo político.

Estamos atentas/es/os a corpos, corpas, no plural da palavra, no plural das experiências vividas e sentidas. Corpos que são forças distintas, você, eu, elas, eles, elus, nós. Corpos que se encontram, se atravessam, se dispersam. Corpos que saem e voltam para casa, quando há casa; pegam ônibus para o trabalho, quando há trabalho ou ônibus; esperam na fila do cuidado, quando há cuidado; aguardam o respeito, quando há rede de apoio ou políticas públicas voltadas para todas, todes e todos. Corpos que não param de perceber, de sentir, de assimilar a vida que constroem na vizinhança ou na distância de outros corpos. Face a face, ombro a ombro, lado a lado.

Por meio dessa convivência corpos nunca cessam de se mover, para fora e para dentro. Corpos produzem também uma diferença de si fazendo conviver numa mesma existência quem nasce recebendo a atribuição de um gênero e percebe-se em outro, ou em nenhuma categoria binária; aqueles que se formam em algo e trabalham em outro algo; a criança e o adulto em diferentes fases; outros que vieram do sul mas vivem no norte, ou do centro para o periférico; quem se sente parte até que a ignorância, o preconceito, a misoginia, o racismo reiteradamente ditos façam nascer uma cisão, uma quebra, um abismo no dentro e no fora de muitos corpos.

Vivenciamos juntas/es/os a essas/es artistas/es experiências ligadas à ancestralidade, à memória, à distintas representações familiares, ao pertencimento, às diversas identidades, à construção de redes de afetos, à ressignificação de imagens históricas, aos movimentos da/na terra, à performatividade, aos apagamentos históricos, às discriminações e às insubordinações de corpos indígenas, negros, mulheres e LGBTQIAPN+. Esperamos sinceramente que você seja tocada/e/o por algo dessa constelação de corpos que apresentamos.

Solicitamos o corpo presente, é bom dizer, o corpo que atua e que no hoje reflete seus atos. Aqui convocamos ações artísticas que operam armaduras, cortes, combates, plataformas políticas, montagens, construções de narrativas, ironias, deboches, escutas, leituras, reescritas de mandamentos, denuncias, afirmações e celebrações, claro, porque a alegria é revolucionária. O que quer dizer ação quando chamamos o corpo? Quais são as suas lutas estéticas-sociais-pessoais-políticas? Onde se localizam seus espaços de acontecimento? Todo corpo em deslocamento tem trajetória. Qual é a sua?


Livia Aquino
Every body in motion has a trajectory is a phrase written by artist Matheusa Passareli (1997–2018) in 2018. At the time a student in the Arts program at the Federal University of Rio de Janeiro, Matheusa recounts in her “life’s work” her movement through the city as a “strange body”—a Black, non-binary person—seeking to attend a public university located in a central region far from where she grew up. Many displacements, many trajectories.

The research presented across the two venues of this exhibition, Casa das Onze Janelas and Galeria Fidanza, revolves around the body as a personal territory of intimate and unique experiences—yet one that is also collective, for it is constantly aligned with or opposed to social and political experiences. A breath through time, perhaps an update to Carol Hanisch’s proposition reminding us that the personal is still political.

We are attentive to bodies—corpas, in the plural of the word, in the plurality of lived and felt experiences. Bodies as distinct forces: you, me, them, us. Bodies that meet, cross paths, disperse. Bodies that leave and return home—when there is a home; take the bus to work—when there is work or a bus; wait in line for care—when care exists; hope for respect—when there is a support network or public policy for all. Bodies that never stop perceiving, feeling, assimilating the life they build in their neighborhoods or in the distance between other bodies. Face to face, shoulder to shoulder, side by side.

Through this shared existence, bodies never cease to move—outward and inward. Bodies also produce a difference within themselves, making space in a single existence for those born assigned one gender but who come to identify with another—or with no binary category at all; those who train in one field and work in another; the child and the adult in different stages of life; others who come from the south but live in the north, or move from the center to the periphery; those who feel they belong—until ignorance, prejudice, misogyny, racism, endlessly repeated, cause a split, a rupture, a chasm both inside and outside many bodies.

Together with these artists, we engage with experiences related to ancestry, memory, diverse family representations, belonging, multiple identities, the construction of networks of affection, the reframing of historical images, movements of/in the land, performativity, historical erasures, discrimination, and the insubordination of Indigenous, Black, women, and LGBTQIAPN+ bodies. We sincerely hope that you are moved by something within this constellation of bodies we present.

We call for the body present—let it be said—the body that acts, and that today reflects on its actions. Here we gather artistic actions that work through armors, cuts, struggles, political platforms, montages, narrative constructions, irony, irreverence, listening, readings, rewritings of commandments, denunciations, affirmations, and celebrations—of course, because joy is revolutionary. What does action mean when we call upon the body? What are your aesthetic-social-personal-political struggles? Where are your spaces of emergence? Every body in motion has a trajectory. What’s yours?

Livia Aquino